segunda-feira, 1 de julho de 2013

Brigite em: O paraíso da Marina



Verdades e mentiras sobre a vida: crônicas irreais vividas por Brigite

Brigite em: O paraíso da Marina


          Ser amiga da Marina requer alguns sacrifícios. Não nego que há suas compensações, mas também reafirmo que há sacrifícios inesquecíveis e absolutamente traumáticos.
            Bem, nossa história começa em uma praia, aliás, antes de chegar à praia, mas antes cabe informar que a Marina é absolutamente louca por praias. Mas não se trata de uma praia em especial, ela gosta de todas e de qualquer praia. Desde a mais simples e mal frequentada até a mais badalada e lotada delas.
            Na verdade, acredito mesmo que a Marina seria muito feliz na caixinha de areia do gato da minha avó, tamanha sua devoção pelo universo arenoso.
            Marina consegue se adaptar àquele ambiente inóspito como um camaleão se esconde nas folhas, e com uma rapidez que me causa profundo espanto.
            A transformação começa na semana anterior à viagem ao centro da terra. Sim, porque um lugar tão quente como aquele só pode ser o centro da terra.
            – Ai, Brigite, eu nem acredito que vamos passar o Carnaval na praia (em êxtase)!
            – Nem eu (em luto)!
            – Tenho certeza de que sua opinião sobre aquele pedaço do paraíso mudará (ainda em êxtase)!
            – Que paraíso, Marina? Iremos para um lugar onde o termômetro não marca menos de trinta graus durante quatro meses seguidos; onde o suor se mistura com a areia, que se mistura com o filtro solar, que se mistura com o sorvete e com mais cinquenta substâncias que passam por nós, carregadas pelas novecentas mil pessoas que resolvem ir até o final do mundo ao mesmo tempo e ocupar um pedaço de terra, aliás, areia, no qual não caberiam cem pessoas confortavelmente (irritada)!
            – Por favor, Marina, você já me convenceu a ir, não tente me convencer que será uma viagem ao paraíso. (definitiva)
            – Azeda!
            – Não. Realista!
            Sei que, às vezes, sou chata, mas vou explicar o porquê.
            A dez quilômetros do “Paraíso da Marina”, meu corpo já descobriu o que meu cérebro se recusa a aceitar: estamos na praia. Começo, então, uma verdadeira operação de guerra para sobreviver à primeira batalha: o primeiro dia na praia.
            Neste primeiro dia, eu e Marina ainda exibíamos um “bronzeado palmito”, como os baianos carinhosamente chamam pessoas como eu, quase transparentes. Portanto, para chegar “e permanecer” no paraíso, precisamos de: chapéu, óculos, saída de banho, guarda-sol, bolsa com toalha, água para não desidratar e o famigerado protetor solar. Tudo isso pesa, não pesa?
            Pois bem, minha querida amiga Marina teve a feliz ideia de alugar um apartamento no décimo quinto andar de um prédio lotado.
            – É só atravessar a rua e estaremos na praia, Brigite (sempre em êxtase)! Sim, mas o problema é chegar à rua para atravessá-la.
            Munidas de todos os acessórios – pendurei alguns nas orelhas – fomos para o elevador.
            Primeira vez que a porta abre: dez velhinhas com idade entre oitenta e cento e cinco anos entupiam o transporte. Elas estavam na Caravana da Melhor Idade, hospedadas ali no prédio. Melhor descer na próxima vez, até porque nenhuma delas escutou quando perguntei: será que cabe?
            Segunda vez: duas mulheres com sete crianças. Duas chorando, três gritando, uma desmaiada e outra tentando assassinar o irmão mais novo. Passamos a vez.
            Terceira tentativa: cinco rapazes, cinco pranchas e três caixas de cerveja. Julguei que minha cadeira, meu guarda-sol e todo o meu arsenal de guerra não caberiam ali.
            Na quarta vez que a porta abriu, entramos. Foi uma descida um pouco constrangedora porque o casal de adolescentes, que não chegou a nos ver entrar, quase consumou o ato sexual nas minhas costas. Enfim, chegamos à rua.
            Ah! A praia! O tal paraíso ao qual Marina se refere. Depois de vencida a primeira etapa – atravessar a rua – vem a segunda: encontrar um lugar na areia. Já esbaforidas por causa do peso começa a peregrinação.  
            Nesse dia, desenvolvi uma tese a qual chamei de SSV - Síndrome do Sofrimento Voluntário.  Essa síndrome só acomete as pessoas naquela época do ano e apenas na praia. Vamos analisar!
            De maneira geral, quando as mulheres compram cremes sempre perguntam à vendedora: é oleoso? Absorve rapidamente? Pois bem, isso estranhamente não acontece na praia porque essas mesmas mulheres passam o dia inteiro besuntadas! Como explicar?
            Há também a questão do calor, do sol, do suor. Normalmente, as mulheres usam desodorantes dermatologicamente testados para evitar suor, manchas nas axilas, entre outras perebas que podem macular seus lindos corpinhos, mas durante a crise da SSV, essas mesmas mulheres passam o dia inteiro fedidas e suadas. Interessante, não?
            No ápice da sandice, eu já escutei uma criatura que estava estendida na areia, sob o sol escaldante (clichê, mas fazer o quê?) há mais de três horas proferindo as seguintes palavras: Ai, eu não aguento esse calor! Meu Deus! Se não gosta do calor, por que está na praia? Esperava o quê? Neve?
            – Marina, preciso me sentar, não aguento mais carregar essa tralha toda!
            – Tudo bem, Brigite! Já avistei um excelente lugar para ficarmos. É ali, perto da barraca de milho verde!
            – Graças a Deus!
            Exausta, literalmente, joguei minhas armas no chão. Depois de descansar um pouquinho, começamos a terceira etapa do dia. Montar o guarda-sol e as cadeiras.
            Montar não foi o problema, problema mesmo foi dizer não a todos os vendedores ambulantes que me ofereciam alguma coisa a cada trinta segundos. Canga, toalha de praia, biquíni, refrigerante, chapéu, lagosta, camarão, a mãe. Ops! Não, essa eles não vendem porque não tem como entregar (outro clichê).
            Pois bem, como eu disse no início desse texto, minha amiga Marina não é fácil – ou eu não sou fácil? Não sei. O que sei é que minha racionalidade dizia que a Marina não deveria colocar na pele aquele “oleosinho” suspeito que a vendedora insistia em vender para ela. O pior é que a Marina já estava comprando três vidros da coisa verde e estava pronta para fritar com aquilo.
            – Marina! Gritei.
            – O que foi, Brigite! Tá louca?
            – Louca tá você, Marina! Você sabe de onde vem esse óleo, mulher?
            – Do coco, oras!
            – Venha aqui, Marina! - Puxei de lado para não ofender a vendedora – Isso pode ser até óleo de sapo, Marina! Que juízo!
              Brigite, você é paranoica! É só um oleosinho inocente!
            – Se você ficar vermelha que nem um camarão eu não vou te levar para o hospital, entendeu!
            – Jesus, é pior que a minha mãe!
            Finalmente, consegui convencer a Marina a não comprar o tal óleo de sapo “Aroma de Canela”. Mas não cheguei a tempo de impedir a lagosta de praia. Marina devorou duas espetadas naqueles pauzinhos que me lembravam sacrifícios humanos. Teve dor de barriga, porque eu escutei gemidos vindos do banheiro durante a noite, mas não admitiu que foi a lagosta com insolação.
            Enfim, após duas horas de trabalho árduo conseguimos montar acampamento perto da barraca do milho verde. Até aí tudo bem. Não era exatamente um lugar tranquilo, mas era suportável. Tudo ficou insuportável quando o sorveteiro, amigo do dono da barraca de milho, encostou seu carrinho perto de nossas cadeiras.
            Neste momento, cheguei à conclusão de que há uma necessidade emergencial de controle de natalidade em nosso país! Jesus, de onde saíram tantas crianças ao mesmo tempo? Brotaram da areia? E os pais? E aquela história de não expor as crianças ao sol? Todo mundo esqueceu?
            Mas não pensem que acabou assim, juntaram-se às crianças, as abelhas. É, aquelas abelhas que rondam as latinhas de coca cola aportaram no carrinho de sorvetes. Aí ficou perfeito, apoteótico!
            O fim não poderia ser outro: sorvete no meu cabelo e três picadas de abelha! O olho, a orelha e o dedão inchados e doloridos! Marina também foi picada, mas não admitiria jamais. Mancando, suada e melada, voltei, aliás, voltamos para o apartamento, não sem antes esperar meia hora por um elevador vazio.
            – Não foi tão ruim assim, não é Brigite?
            – Não, Marina, não foi! Tirando os tropeços, o sorvete no meu cabelo, as abelhas e um milhão de pessoas me atrapalhando, tudo está ótimo (ironia)!
            – Amanhã será melhor, eu prometo!
            – Será mesmo, Marina! Eu vou ao shopping e passarei o dia inteiro dentro da primeira loja que tiver ar-condicionado.
            – Mas você já desistiu?
            – Não, Marina! É só uma recuada estratégica, estrategicamente confortável!
            – Azeda!
            – Não. Realista.