quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Aurora Cibernética - O encontro com Rebeca - Capítulo 3


Capítulo 3 – O encontro com Rebeca

“Preciso arrumar ao menos um rato para comer”. Ouvi um barulho. A rua está escura e lá no final vi um vulto correndo. Não reconheci, mas pode ser um cachorro, o que seria um banquete. Parecia um pouco alto demais, mas pode ser um dos grandes!
          Engatilhei a arma e comecei a me aproximar do lugar para caçar minha refeição. Entrei num galpão enorme, moradia de muitos roedores e pássaros, geralmente noturnos como corujas ou morcegos, pois aqueles que precisavam do sol não conseguiram sobreviver ou sofreram mutações estranhas.
          Alguns voaram denunciando minha presença e o vulto, que já não me parecia um cachorro, correu. Atirei para tentar acertá-lo, mas o que escutei foi um palavrão:
          - Desgraçado!
          - Desgraçado?
          Eu não conversava com gente há muito tempo, mas certamente bicho ainda não falava.
          - Quem é você? Responda ou vou atirar novamente.
          Um silêncio sepulcral foi quebrado por um grito que ecoou em meus ouvidos antes de ser derrubado por alguém que lutava freneticamente. Minha arma escapou de minha mão e tive que lutar. Não foi difícil imobilizar meu inimigo porque havia sido bem treinado no exército.
          Quando consegui colocar meu inimigo no chão e armei o braço para goleá-lo fique estático. Era uma moça. Magra e frágil.
          - Uma mulher?! Pronunciei espantado.
          Ela não ficava quieta e tentava me arranhar o tempo todo, além dos palavrões que soltava.
          - #$¨&()_)((*&¨%%$$#@@$%¨&*(()
          - Cale a boca ou eu mesmo vou fazer isso. Ordenei.
          - Seu bruto, grosseiro. Solte-me.
          Ela continuava a espernear e eu tentando fazê-la parar. Acabei dando-lhe um tapa no rosto e ela começou a chorar. Apesar de toda a dureza que a vida havia me imposto ainda existia dentro de mim um homem gentil e educado. Nunca bati em uma mulher e me senti profundamente mal, tanto que pedi desculpas.
          - Desculpe. Eu não queria bater em você, mas, por favor, fique quieta e me escute. Pedi.
          Ela pareceu acalmar-se e parou de chorar. Olhou então para mim com o rosto molhado pelas lágrimas. Não falou e enquanto seus olhos fitavam meu rosto à espera de minhas palavras pude ver a beleza daquela garota. Não devia ter mais de vinte anos e apesar da sujeira que escurecia sua pele, eu percebi que era clarinha, muito pálida, na verdade. Seus olhos eram negros e o cabelo de um castanho escuro. Fiquei quieto olhando para aquela criatura que me parecia tão estranha.
          - O que você quer de mim? Não vai falar? Perguntou nervosa.
          - Não quero nada. Estava à procura de comida. E você, o que faz por aqui?
          - Também procurava comida. Você pode me soltar agora ou ficará em cima de mim por muito tempo?
          Levantei e soltei-a. Ela levantou-se e por entre os trajes sujos e largos pude perceber um corpo esbelto e firme. Desviei o olhar, pois lembranças muito ruins voltaram a minha cabeça. Fechei os olhos com força.
          - O que foi? Perdeu a coragem de ser violento? Provocou-me.
          - Escute, eu só atirei porque pensei que fosse um animal e o tapa... Eu precisava fazê-la parar de gritar e se debater. Não costumo agir assim com mulheres.
          Ela pareceu estranhar minhas desculpas e ficou meio sem graça.
          - Eu estava com medo. Achei que você fosse um soldado da Fênix.
          - Eu jamais me juntaria àqueles canalhas.
          - Você também é um rebelde? A que grupo pertence?
          - Não pertenço a grupo nenhum, vivo sozinho.
          Ela se aproximou de mim e colocou a mão pequena em minhas costas e disse:
          - Esse mundo já é muito triste se estivermos juntos, sozinho fica insuportável, você não acha? A voz dela era doce e carinhosa, diferente daquele bichinho bravo que eu havia segurado no começo e isso me deixou desconsertado. Desvencilhei-me do toque e respondi:
          - Às vezes, esse é o único caminho. Vou procurar algo para comermos, fique aqui. Ordenei.
          Saí daquela presença que me incomodava, pois já fazia muito tempo que eu não conversava com ninguém. Os meus contatos com humanos eram, na verdade, restritos a lutas e conflitos armados. Não estava mais acostumado a viver com outras pessoas, muito menos com uma mulher.
          Logo que saí, vi um porco do mato e consegui alvejá-lo. Com o bicho nas costas, resolvi voltar ao galpão, mas tinha certeza de que a moça não estaria mais lá, mas ela estava sentada no mesmo lugar que a deixei e pareceu feliz ao me ver, talvez por causa da comida.
          - Vou repartir e você leva metade, ok?
          - Não. O que acha de ir até nosso acampamento? Lá poderemos assá-lo. Temos sal e olho por lá. Ficará muito gostoso. Vamos? Pediu, quase numa súplica, olhando-me com aqueles olhos negros e grandes.
          Resolvi usar a grosseria para impedir uma aproximação, isso era o que eu sempre fazia para evitar sofrimento.
          - Escute aqui moça, não pense que porque deixei você viver, passarei a obedecê-la. Vai querer a metade do porco ou não? Pegue e suma da minha frente. Fui estúpido.
          - Não... eu...eu só queria... Seu grosso. Fique com o seu porco. Eu não preciso dele e nem de você. Virou as costas e sumiu na escuridão.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Aurora Cibernética - A Fênix - Capítulo 2


Capítulo 2 – A Fênix

          Todo grande poder gera grande responsabilidade. Essa máxima já é muito conhecida e foi exatamente isso que não aconteceu em nosso mundo. O deveria ter sido a cura para muitas doenças e a salvação para muitas pessoas, tornou-se moeda de troca entre as potências mundiais. Juntando-se a isso, pessoas com pouco ou nenhum escrúpulo, foi fácil chegar ao fim.
          Havia, entre a junta internacional de cientistas que controlavam a nanotecnologia, bons homens que realmente pensavam na humanidade, mas também existiam entre eles homens de política e de finanças que não pensavam em gente, apenas em poder.
          Eles tomaram o controle das pesquisas e afastaram os bons homens, deixando as descobertas em poder de verdadeiros psicopatas da ciência, “deuses” ensandecidos pelo poder.
          Esses “deuses” ainda existem e depois de 25 anos do desastre ainda perseguem os bons homens e tentam comandar essa selva de medo e destroços. Eles se dizem o “governo da reconstrução” e utilizam armamentos pesados para caçar pessoas, pois sabem que nem todos compartilham de suas idéias.
          Mais perigoso do que as plantas e os animais que se tronaram monstros, são eles, o governo da reconstrução, que se auto-intitula “Fênix”.
          Há milícias e pequenos exércitos por todos os cantos do mundo. Eles não se escondem como nós, eles caçam e procuram sem parar os primeiros cientistas que foram expulsos do projeto logo após as descobertas que fizeram brilhar a ganância dos governantes. Meu pai era um deles e minha mãe, antes de morrer, me contou que ele lutou para que o mundo não acabasse da maneira como acabou, mas não conseguiu e desapareceu.
          Quando o sol se apagou e o caos tomou conta do mundo, minha mãe, grávida, fugiu da base onde meu pai trabalhava, a pedido dele. Eu nasci numa casa simples, no interior do país e minha mãe morreu alguns meses depois, vítima de uma das doenças que mataria milhões nos próximos anos.
          Fui criado por uma empregada da casa e que hoje considero também minha mãe. Ela ainda deve estar naquela mesma casa, mas não tenho coragem de voltar...
          Estou com fome. Vou sair para procurar comida. Há três dias estou “morando” neste bar, no que seria o subúrbio da cidade. Durmo em cima da mesa de bilhar e por incrível que pareça ainda tem refrigerante na máquina.
          Depois do eclipse houve o caos e depois do caos, o homem começou a se adaptar com a nova situação. Como sempre, as diferenças econômicas se acentuaram. Como não existia energia solar, toda a agricultura foi comprometida e isso causou escassez de comida nas grandes cidades. As hidrelétricas também foram comprometidas e a energia começou a faltar.  Na natureza, a ausência do sol desencadeou uma confusão e o controle biológico entrou em colapso. Faltavam pássaros e sobravam minhocas e assim por diante.
          Como em toda sociedade capitalista, quem tinha mais dinheiro conseguiu um lugar “ao sol” e quem não tinha morreu lentamente faminto e doente.
          Os pobres que sobreviveram se tornaram guerreiros, pois só assim era possível permanecer vivo. Alguns se tornaram uma espécie de Hobin Wood do caos, roubando dos ricos e dando aos pobres até serem pegos e mortos pelas milícias que “defendiam os direitos da sociedade ressurgida”. Já decorei o discurso que é veiculado pela emissora estatal.
          Eu decidi viver sozinho porque não confio em mim mesmo, aliás, não me conheço totalmente e isso me assusta.
          Vou procurar comida agora. Vesti a mesma jaqueta que uso há vários dias. O último banho que tomei foi no chafariz da praça, há uns três dias. Hoje o “dia” está especialmente escuro. De vez em quando, aparecem no céu alguns feixes de luz. Parece que o sol está tentando se descobriu e nessas ocasiões o dia fica mais claro, como se estivesse amanhecendo o tempo todo, mas isso acontece muito pouco.
          O bar onde estou morando atualmente fica no final de uma ruazinha, bem escondido. Como em todo o resto da cidade, há muita sujeira e vegetação alta e quando venta a poeira escura encobre tudo.
         

domingo, 6 de janeiro de 2013

Aurora Cibernética: a vida depois do eclipse - Capítulo 1


AURORA CIBERNÉTICA: A VIDA DEPOIS DO ECLIPSE

por Marta Ouchar de Brito

Capítulo 1 – O começo do fim

          Será que já é hora de levantar? É preciso fugir novamente ou aqui ainda é seguro?
O que restou das cidades está coberto por uma vegetação alterada pela radiação que se espalhou depois do eclipse. Tudo é gigante ou perigoso, ou os dois. As árvores cresceram rente aos prédios se abraçando às paredes como monstros. As plantas rasteiras desenvolveram espinhos enormes e raízes grossas que saltam da terra como serpentes e as frutas são quase todas venenosas, poucas nos servem de alimento.
Vivemos agora numa selva e os poucos que sobreviveram tentam aprender a viver novamente, neste inferno escuro e mal cheiroso. Não há regras de convivência e o que chamávamos de sociedade não existe mais. Confiar em alguém é sempre um risco que, diga-se de passagem, corre-se pouco, pois todos se escondem uns dos outros. Tudo é medo.
          Como começou? Eu não vi. Nasci já neste mundo caótico, pouco depois do eclipse, quando os cientistas ainda acreditavam que poderiam consertar o que haviam causado ao sol, que eu nunca vi brilhar...
Por volta dos anos 30 do século XXI, a engenharia molecular abalou definitivamente os pilares da evolução científica, popularizando o uso de nanorobôs que atuavam nas áreas da saúde, indústria, alimentação e, principalmente, no saneamento básico de países pobres, comendo a sujeira e os restos da pobreza. A humanidade acreditava mesmo que o homem havia criado a solução para todos os problemas.
Foi nesse momento que ocorreu o vazamento e a proliferação descontrolada de nanorobôs que passaram a se duplicar numa velocidade impressionante. 
As autoridades e os cientistas de todas as grandes potências procuraram deter a proliferação descontrolada do que haviam considerado a salvação da humanidade, mas não encontraram um meio de exterminar os nanorobôs.
Foi então que uma dessas mentes brilhantes do século XXI teve a ideia de conter temporariamente a proliferação e enviar as criaturas numa grande nave em direção ao Sol. Lá, eles acreditavam que tudo seria destruído.
Esse foi nosso grande erro. O sol não destruiu os nanorobôs, a nave que os carregava sim foi destruída e eles ficaram soltos no espaço, formando uma crosta que se colou a nossa atmosfera impedindo que a maioria dos raios solares chegasse à Terra. Nesse dia inesquecível para a humanidade, um eclipse gigantesco apagou o sol e as estrelas, e nós passamos a viver numa noite eterna.