Verdades
e mentiras sobre a vida: crônicas irreais vividas por Brigite
Brigite em: O paraíso da Marina
Ser amiga da Marina requer alguns
sacrifícios. Não nego que há suas compensações, mas também reafirmo que há
sacrifícios inesquecíveis e absolutamente traumáticos.
Bem,
nossa história começa em uma praia, aliás, antes de chegar à praia, mas antes
cabe informar que a Marina é absolutamente louca por praias. Mas não se trata
de uma praia em especial, ela gosta de todas e de qualquer praia. Desde a mais
simples e mal frequentada até a mais badalada e lotada delas.
Na
verdade, acredito mesmo que a Marina seria muito feliz na caixinha de areia do
gato da minha avó, tamanha sua devoção pelo universo arenoso.
Marina
consegue se adaptar àquele ambiente inóspito como um camaleão se esconde nas
folhas, e com uma rapidez que me causa profundo espanto.
A
transformação começa na semana anterior à viagem ao centro da terra. Sim,
porque um lugar tão quente como aquele só pode ser o centro da terra.
–
Ai, Brigite, eu nem acredito que vamos passar o Carnaval na praia (em êxtase)!
–
Nem eu (em luto)!
–
Tenho certeza de que sua opinião sobre aquele pedaço do paraíso mudará (ainda
em êxtase)!
–
Que paraíso, Marina? Iremos para um lugar onde o termômetro não marca menos de
trinta graus durante quatro meses seguidos; onde o suor se mistura com a areia,
que se mistura com o filtro solar, que se mistura com o sorvete e com mais
cinquenta substâncias que passam por nós, carregadas pelas novecentas mil
pessoas que resolvem ir até o final do mundo ao mesmo tempo e ocupar um pedaço
de terra, aliás, areia, no qual não caberiam cem pessoas confortavelmente
(irritada)!
–
Por favor, Marina, você já me convenceu a ir, não tente me convencer que será
uma viagem ao paraíso. (definitiva)
–
Azeda!
–
Não. Realista!
Sei
que, às vezes, sou chata, mas vou explicar o porquê.
A
dez quilômetros do “Paraíso da Marina”, meu corpo já descobriu o que meu
cérebro se recusa a aceitar: estamos na praia. Começo, então, uma verdadeira
operação de guerra para sobreviver à primeira batalha: o primeiro dia na praia.
Neste
primeiro dia, eu e Marina ainda exibíamos um “bronzeado palmito”, como os
baianos carinhosamente chamam pessoas como eu, quase transparentes. Portanto,
para chegar “e permanecer” no paraíso, precisamos de: chapéu, óculos, saída de
banho, guarda-sol, bolsa com toalha, água para não desidratar e o famigerado
protetor solar. Tudo isso pesa, não pesa?
Pois
bem, minha querida amiga Marina teve a feliz ideia de alugar um apartamento no
décimo quinto andar de um prédio lotado.
–
É só atravessar a rua e estaremos na praia, Brigite (sempre em êxtase)! Sim,
mas o problema é chegar à rua para atravessá-la.
Munidas
de todos os acessórios – pendurei alguns nas orelhas – fomos para o elevador.
Primeira
vez que a porta abre: dez velhinhas com idade entre oitenta e cento e cinco
anos entupiam o transporte. Elas estavam na Caravana da Melhor Idade,
hospedadas ali no prédio. Melhor descer na próxima vez, até porque nenhuma
delas escutou quando perguntei: será que cabe?
Segunda
vez: duas mulheres com sete crianças. Duas chorando, três gritando, uma desmaiada
e outra tentando assassinar o irmão mais novo. Passamos a vez.
Terceira
tentativa: cinco rapazes, cinco pranchas e três caixas de cerveja. Julguei que
minha cadeira, meu guarda-sol e todo o meu arsenal de guerra não caberiam ali.
Na
quarta vez que a porta abriu, entramos. Foi uma descida um pouco constrangedora
porque o casal de adolescentes, que não chegou a nos ver entrar, quase consumou
o ato sexual nas minhas costas. Enfim, chegamos à rua.
Ah!
A praia! O tal paraíso ao qual Marina se refere. Depois de vencida a primeira
etapa – atravessar a rua – vem a segunda: encontrar um lugar na areia. Já
esbaforidas por causa do peso começa a peregrinação.
Nesse
dia, desenvolvi uma tese a qual chamei de SSV - Síndrome do Sofrimento
Voluntário. Essa síndrome só acomete as
pessoas naquela época do ano e apenas na praia. Vamos analisar!
De
maneira geral, quando as mulheres compram cremes sempre perguntam à vendedora:
é oleoso? Absorve rapidamente? Pois bem, isso estranhamente não acontece na
praia porque essas mesmas mulheres passam o dia inteiro besuntadas! Como
explicar?
Há
também a questão do calor, do sol, do suor. Normalmente, as mulheres usam
desodorantes dermatologicamente testados para evitar suor, manchas nas axilas,
entre outras perebas que podem macular seus lindos corpinhos, mas durante a
crise da SSV, essas mesmas mulheres passam o dia inteiro fedidas e suadas.
Interessante, não?
No
ápice da sandice, eu já escutei uma criatura que estava estendida na areia, sob
o sol escaldante (clichê, mas fazer o quê?) há mais de três horas proferindo as
seguintes palavras: Ai, eu não aguento esse calor! Meu Deus! Se não gosta do
calor, por que está na praia? Esperava o quê? Neve?
–
Marina, preciso me sentar, não aguento mais carregar essa tralha toda!
–
Tudo bem, Brigite! Já avistei um excelente lugar para ficarmos. É ali, perto da
barraca de milho verde!
–
Graças a Deus!
Exausta,
literalmente, joguei minhas armas no chão. Depois de descansar um pouquinho,
começamos a terceira etapa do dia. Montar o guarda-sol e as cadeiras.
Montar
não foi o problema, problema mesmo foi dizer não a todos os vendedores
ambulantes que me ofereciam alguma coisa a cada trinta segundos. Canga, toalha
de praia, biquíni, refrigerante, chapéu, lagosta, camarão, a mãe. Ops! Não,
essa eles não vendem porque não tem como entregar (outro clichê).
Pois
bem, como eu disse no início desse texto, minha amiga Marina não é fácil – ou
eu não sou fácil? Não sei. O que sei é que minha racionalidade dizia que a
Marina não deveria colocar na pele aquele “oleosinho” suspeito que a vendedora
insistia em vender para ela. O pior é que a Marina já estava comprando três
vidros da coisa verde e estava pronta para fritar com aquilo.
–
Marina! Gritei.
–
O que foi, Brigite! Tá louca?
–
Louca tá você, Marina! Você sabe de onde vem esse óleo, mulher?
–
Do coco, oras!
–
Venha aqui, Marina! - Puxei de lado para não ofender a vendedora – Isso pode
ser até óleo de sapo, Marina! Que juízo!
– Brigite, você é paranoica! É só um oleosinho
inocente!
–
Se você ficar vermelha que nem um camarão eu não vou te levar para o hospital,
entendeu!
–
Jesus, é pior que a minha mãe!
Finalmente,
consegui convencer a Marina a não comprar o tal óleo de sapo “Aroma de Canela”.
Mas não cheguei a tempo de impedir a lagosta de praia. Marina devorou duas
espetadas naqueles pauzinhos que me lembravam sacrifícios humanos. Teve dor de
barriga, porque eu escutei gemidos vindos do banheiro durante a noite, mas não
admitiu que foi a lagosta com insolação.
Enfim,
após duas horas de trabalho árduo conseguimos montar acampamento perto da
barraca do milho verde. Até aí tudo bem. Não era exatamente um lugar tranquilo,
mas era suportável. Tudo ficou insuportável quando o sorveteiro, amigo do dono
da barraca de milho, encostou seu carrinho perto de nossas cadeiras.
Neste
momento, cheguei à conclusão de que há uma necessidade emergencial de controle
de natalidade em nosso país! Jesus, de onde saíram tantas crianças ao mesmo
tempo? Brotaram da areia? E os pais? E aquela história de não expor as crianças
ao sol? Todo mundo esqueceu?
Mas
não pensem que acabou assim, juntaram-se às crianças, as abelhas. É, aquelas
abelhas que rondam as latinhas de coca cola aportaram no carrinho de sorvetes.
Aí ficou perfeito, apoteótico!
O
fim não poderia ser outro: sorvete no meu cabelo e três picadas de abelha! O
olho, a orelha e o dedão inchados e doloridos! Marina também foi picada, mas
não admitiria jamais. Mancando, suada e melada, voltei, aliás, voltamos para o
apartamento, não sem antes esperar meia hora por um elevador vazio.
–
Não foi tão ruim assim, não é Brigite?
–
Não, Marina, não foi! Tirando os tropeços, o sorvete no meu cabelo, as abelhas
e um milhão de pessoas me atrapalhando, tudo está ótimo (ironia)!
–
Amanhã será melhor, eu prometo!
–
Será mesmo, Marina! Eu vou ao shopping e passarei o dia inteiro dentro da
primeira loja que tiver ar-condicionado.
–
Mas você já desistiu?
–
Não, Marina! É só uma recuada estratégica, estrategicamente confortável!
–
Azeda!
–
Não. Realista.