Capítulo 7 – Conhecendo
Rebeca
Rebeca e as crianças acabaram adormecendo e eu fiquei à
espera do casal. Quando percebi a chegada deles, fui até a sala para avisá-los
e não fui bem recebido, como era de se esperar.
- Olá, eu... (POW)
- Esperem, esperem, eu sou amigo da Rebeca.
- Um cyborg, essa máscara é usada pelos cyborgs
da Fênix, como pode ser amigo da Rebeca?
- Eu posso explicar... ai...você bate bem, colega...ai...
- Um cyborg não costuma sentir dor.
- Você bateu em meu lado humano. Expliquei tentando me
levantar.
Quando eu ia começar a falar Rebeca chegou com as crianças
e me viu sangrando. Correu para mim e perguntou preocupada:
- O que aconteceu? Você está machucado?
- Fui eu, Rebeca. - interveio Gabriel – Por que não nos
disse que tinha um amigo cyborg?
- Eu não pensei que o reencontraria, Gabriel, mas ele nos
ajudou e nos livrou de um bando que queria comida. Ele salvou nossas vidas,
Gabriel.
- Não podemos confiar nele, Rebeca. Os cyborgs têm
mecanismos de controle e não podem responder por seus atos, mesmo que queiram.
Explicou Helena, abraçada aos filhos.
- Você está certa, senhora, já estou indo embora. Só queria
deixá-los a salvo com vocês – expliquei ao casal.
- Não! Gritou Rebeca e se colocou perto de mim.
- Ele não é controlado pela Fênix. O chip implantado
no cérebro dele está vazio. Ele salvou nossas vidas, Helena. Se fosse realmente
um soldado da Fênix porque faria isso? Nós sabemos que eles não têm compaixão.
- Rebeca, não se preocupe, eles estão certos. Tentei
acalmá-la.
- Não. Não estão não.
- Como é seu nome soldado? Perguntou Gabriel interrompendo
Rebeca.
- Meu nome é Sebastian e eu não sou soldado. Afirmei.
- Você salvou meus filhos e eu lhe agradeço por isso. Vamos
dar uma chance a todos nós, afinal podemos fazer amigos mesmo nesse mundo negro
e caótico. Venha conosco.
Hesitei um pouco enquanto Gabriel e Helena pegavam as
coisas e a comida que haviam conseguido. Rebeca sentiu isso e aproximou-se:
- Venha conosco, Sebastian. Eu sei que é difícil para você
confiar em alguém, mas confie em mim, por favor. - A proximidade daquele corpo
me fez lembrar da paixão, do amor e do desejo que duas pessoas que se amam
podem sentir. E a felicidade que isso pode provocar em um homem. Eu não era
mais apenas um homem, mas ainda sonhava com isso.
- Tudo bem, eu irei. - Ela lançou-se sobre mim com uma
ingenuidade surpreendente e beijou meu rosto – Que bom! Vamos?
Ainda desconsertado com a reação da moça percebi o olhar
perspicaz de Helena que pareceu entender que havia mais do que gratidão na
angústia da garota.
Saímos daquela cidade e rumamos para as montanhas ao Norte.
Gabriel disse que chegaríamos em mais ou menos seis horas, se caminhássemos sem
parar. Em alguns trechos mais difíceis senti que Rebeca ficava ofegante e se
esforçava para não parar, mas mantinha a pose e aguentava firme.
As crianças iam nas costas dos pais, mas para Helena isso
era muito cansativo. Ofereci-me para carregar Mary, que estava nas costas da
mãe.
- Deixe-me carregá-la, senhora. Deve estar muito pesada.
- Não é preciso, Sebastian. Obrigada. Respondeu ainda
temerosa.
- Deixe, mamãe. Ele tem um braço bem forte!
- Está bem, Sebastian. Estou mesmo cansada.
Carreguei Mary o resto do caminho e ela falou por todo o
tempo. Mesmo com minha cara inicial de poucos amigos, acabei me divertindo com
aquela menina que, aos seis anos, já tinha visto tanta coisa ruim e mesmo assim
carregava um sorriso farto em quase todas as ocasiões. Percebi que, às vezes, vale
a pena confiar nas pessoas.
Iago, o irmão de Mary, era mais fechado e olhava para mim
com certa desconfiança, mas com o tempo também passou a fazer perguntas.
- É verdade que você pode levantar um carro? E que seu olho
atira raio laser?
- Tem muita coisa em meu corpo que ainda não conheço. Nunca
tentei levantar um carro, mas quando encontrarmos um, vou tentar, ok?
O menino sorriu e continuamos a caminhada, mas não pudemos
seguir sem parar. Rebeca já estava demonstrando sinais de exaustão e Helena
percebeu isso, mas como sabia que a moça não pararia, ela mesma disse que
estava cansada e pediu que parássemos um pouco. Encontramos algumas pedras que
formavam um abrigo e fomos para lá.
Quando o céu estava limpo, sem nuvens, para nós ele
aparecia cinza e manchado de vermelho. Eram os poucos raios de sol que
conseguiam furar a camada de nanorobôs. Em contrapartida, quando o céu
estava nublado, ele era de um cinza escuro, quase negro. Naquele dia, o céu
estava especialmente escuro e presumimos que uma tempestade cairia. Isso não
tardou a acontecer.
Entramos um pouco mais na caverna formada pelas pedras e
fizemos uma fogueira. Rebeca estava especialmente pálida e parecia tremer de
frio, embora o calor fosse intenso, mesmo com a chuva. Helena percebeu que eu
observava a moça e disse:
- Ela está doente, Sebastian.
- Doente? O que ela tem? Falei um pouco alto.
- Fale baixo. Rebeca não gosta que falemos disso ou que a
tratemos de forma diferente. Ela tem uma doença degenerativa que enfraquece o
tecido muscular. Ela faz o que pode para não demonstrar fraqueza, mas, às vezes,
é difícil.
- E essa doença tem cura?
- Sim, se ela tivesse bastante dinheiro, já estaria curada,
mas você sabe como os poucos hospitais funcionam. Se Rebeca chegar a ser
internada e verificarem que ela não tem dinheiro será sentenciada ao
“descanso”.
- Ela corre risco de morte? Perguntei.
- Enquanto conseguirmos os remédios, o quadro dela é
estável, mas se não conseguirmos...
- Então se não houver remédios, ela pode morrer?
- Sim, Sebastian, pode. Infelizmente, pode. - finalizou com
tristeza. - Escute, Sebastian, ela não gosta que falemos disso, então seja
discreto, ok?
- Fique tranquila.
Uma grande tristeza se apoderou de mim. Mesmo tendo
conhecido aquela moça há tão pouco tempo ela já me era familiar – como Alícia e
minha mãe – e esse mundo caótico já poderia tirá-la de mim. Não era justo e eu
não aguentava mais tantas perdas.
A ganância dos homens nos fez perder o mundo lindo que
tínhamos e nos condenou a essa treva sem fim. E agora, mesmo depois da quase
extinção, o homem ainda despreza seu semelhante, julga com dois pesos e ainda
condena os mais fracos e pobres à dor e à morte. Será mesmo que a humanidade é
uma causa perdida?
Minha expressão de dor e revolta chamou a atenção de
Rebeca, que descansava, deitada sobre uma toalha.
- O que você tem, Sebastian? Está arrependido por ter vindo
conosco? Perguntou com a voz fraca.
- Não, claro que não. É que às vezes eu começo a pensar
nesse mundo e nas pessoas que já perdi. Há muito tempo, eu tento não me apegar
a ninguém para evitar sofrimento, e então me aparece você e, sem muito esforço,
me faz fazer parte de alguma coisa novamente... Confesso que ainda é um pouco
estranho para mim.
- Você não tem família? Ninguém? Uma esposa ou namorada
talvez?
- Não, minha mãe e minha noiva morreram há cinco anos,
quando eu me alistei na Fênix e acreditava neles. Mas não quero falar nisso.
- Eu sinto muito!
- E você, Rebeca, tem família?
- Essa é minha família: Helena, Gabriel, as crianças e as
outras pessoas do grupo. Parente de sangue mesmo não tem mais ninguém. Todos
morreram.
Uma sombra encobriu aqueles olhos lindos que se destacavam
na pele pálida.
- Você não tem namorado lá no acampamento? Perguntei com
medo da resposta.
- Não. Não sei se terei muito tempo para isso. Ela virou o
rosto para não me deixar ver a tristeza em seus olhos. Ela estava certamente
pensando na doença. Mudei de assunto, feliz pela resposta que recebi.
- Gabriel, a chuva já passou. O que acha de prosseguirmos?
Perguntei.
- É, acho uma boa ideia, Mais duas horas e estaremos no
acampamento.
- Você está bem, Rebeca?
- Claro. Por que não estaria? Respondeu disfarçando o
cansaço. - Vamos.
Caminhamos por mais duas horas, em terreno íngreme. Rebeca
realmente fazia muito esforço, mas se manteve firme até alcançarmos o
acampamento. Nesse momento, Gabriel exclamou aliviado:
- Estamos em casa!
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