sexta-feira, 29 de março de 2013

Aurora Cibernética - Conhecendo Rebeca - Capítulo 7



Capítulo 7 – Conhecendo Rebeca

          Rebeca e as crianças acabaram adormecendo e eu fiquei à espera do casal. Quando percebi a chegada deles, fui até a sala para avisá-los e não fui bem recebido, como era de se esperar.
          - Olá, eu... (POW)
          - Esperem, esperem, eu sou amigo da Rebeca.
          - Um cyborg, essa máscara é usada pelos cyborgs da Fênix, como pode ser amigo da Rebeca?
          - Eu posso explicar... ai...você bate bem, colega...ai...
          - Um cyborg não costuma sentir dor.
          - Você bateu em meu lado humano. Expliquei tentando me levantar.
          Quando eu ia começar a falar Rebeca chegou com as crianças e me viu sangrando. Correu para mim e perguntou preocupada:
          - O que aconteceu? Você está machucado?
          - Fui eu, Rebeca. - interveio Gabriel – Por que não nos disse que tinha um amigo cyborg?
          - Eu não pensei que o reencontraria, Gabriel, mas ele nos ajudou e nos livrou de um bando que queria comida. Ele salvou nossas vidas, Gabriel.
          - Não podemos confiar nele, Rebeca. Os cyborgs têm mecanismos de controle e não podem responder por seus atos, mesmo que queiram. Explicou Helena, abraçada aos filhos.
          - Você está certa, senhora, já estou indo embora. Só queria deixá-los a salvo com vocês – expliquei ao casal.
          - Não! Gritou Rebeca e se colocou perto de mim.
          - Ele não é controlado pela Fênix. O chip implantado no cérebro dele está vazio. Ele salvou nossas vidas, Helena. Se fosse realmente um soldado da Fênix porque faria isso? Nós sabemos que eles não têm compaixão.
          - Rebeca, não se preocupe, eles estão certos. Tentei acalmá-la.
          - Não. Não estão não.
          - Como é seu nome soldado? Perguntou Gabriel interrompendo Rebeca.
          - Meu nome é Sebastian e eu não sou soldado. Afirmei.
          - Você salvou meus filhos e eu lhe agradeço por isso. Vamos dar uma chance a todos nós, afinal podemos fazer amigos mesmo nesse mundo negro e caótico. Venha conosco.
          Hesitei um pouco enquanto Gabriel e Helena pegavam as coisas e a comida que haviam conseguido. Rebeca sentiu isso e aproximou-se:
          - Venha conosco, Sebastian. Eu sei que é difícil para você confiar em alguém, mas confie em mim, por favor. - A proximidade daquele corpo me fez lembrar da paixão, do amor e do desejo que duas pessoas que se amam podem sentir. E a felicidade que isso pode provocar em um homem. Eu não era mais apenas um homem, mas ainda sonhava com isso.
          - Tudo bem, eu irei. - Ela lançou-se sobre mim com uma ingenuidade surpreendente e beijou meu rosto – Que bom! Vamos?
          Ainda desconsertado com a reação da moça percebi o olhar perspicaz de Helena que pareceu entender que havia mais do que gratidão na angústia da garota.
          Saímos daquela cidade e rumamos para as montanhas ao Norte. Gabriel disse que chegaríamos em mais ou menos seis horas, se caminhássemos sem parar. Em alguns trechos mais difíceis senti que Rebeca ficava ofegante e se esforçava para não parar, mas mantinha a pose e aguentava firme.
          As crianças iam nas costas dos pais, mas para Helena isso era muito cansativo. Ofereci-me para carregar Mary, que estava nas costas da mãe.
          - Deixe-me carregá-la, senhora. Deve estar muito pesada.
          - Não é preciso, Sebastian. Obrigada. Respondeu ainda temerosa.
          - Deixe, mamãe. Ele tem um braço bem forte!
          - Está bem, Sebastian. Estou mesmo cansada.
          Carreguei Mary o resto do caminho e ela falou por todo o tempo. Mesmo com minha cara inicial de poucos amigos, acabei me divertindo com aquela menina que, aos seis anos, já tinha visto tanta coisa ruim e mesmo assim carregava um sorriso farto em quase todas as ocasiões. Percebi que, às vezes, vale a pena confiar nas pessoas.
          Iago, o irmão de Mary, era mais fechado e olhava para mim com certa desconfiança, mas com o tempo também passou a fazer perguntas.
          - É verdade que você pode levantar um carro? E que seu olho atira raio laser?
          - Tem muita coisa em meu corpo que ainda não conheço. Nunca tentei levantar um carro, mas quando encontrarmos um, vou tentar, ok?
          O menino sorriu e continuamos a caminhada, mas não pudemos seguir sem parar. Rebeca já estava demonstrando sinais de exaustão e Helena percebeu isso, mas como sabia que a moça não pararia, ela mesma disse que estava cansada e pediu que parássemos um pouco. Encontramos algumas pedras que formavam um abrigo e fomos para lá.
          Quando o céu estava limpo, sem nuvens, para nós ele aparecia cinza e manchado de vermelho. Eram os poucos raios de sol que conseguiam furar a camada de nanorobôs. Em contrapartida, quando o céu estava nublado, ele era de um cinza escuro, quase negro. Naquele dia, o céu estava especialmente escuro e presumimos que uma tempestade cairia. Isso não tardou a acontecer.
          Entramos um pouco mais na caverna formada pelas pedras e fizemos uma fogueira. Rebeca estava especialmente pálida e parecia tremer de frio, embora o calor fosse intenso, mesmo com a chuva. Helena percebeu que eu observava a moça e disse:
          - Ela está doente, Sebastian.
          - Doente? O que ela tem? Falei um pouco alto.
          - Fale baixo. Rebeca não gosta que falemos disso ou que a tratemos de forma diferente. Ela tem uma doença degenerativa que enfraquece o tecido muscular. Ela faz o que pode para não demonstrar fraqueza, mas, às vezes, é difícil.
          - E essa doença tem cura?
          - Sim, se ela tivesse bastante dinheiro, já estaria curada, mas você sabe como os poucos hospitais funcionam. Se Rebeca chegar a ser internada e verificarem que ela não tem dinheiro será sentenciada ao “descanso”.
          - Ela corre risco de morte? Perguntei.
          - Enquanto conseguirmos os remédios, o quadro dela é estável, mas se não conseguirmos...
          - Então se não houver remédios, ela pode morrer?
          - Sim, Sebastian, pode. Infelizmente, pode. - finalizou com tristeza. - Escute, Sebastian, ela não gosta que falemos disso, então seja discreto, ok?
          - Fique tranquila.
          Uma grande tristeza se apoderou de mim. Mesmo tendo conhecido aquela moça há tão pouco tempo ela já me era familiar – como Alícia e minha mãe – e esse mundo caótico já poderia tirá-la de mim. Não era justo e eu não aguentava mais tantas perdas.
          A ganância dos homens nos fez perder o mundo lindo que tínhamos e nos condenou a essa treva sem fim. E agora, mesmo depois da quase extinção, o homem ainda despreza seu semelhante, julga com dois pesos e ainda condena os mais fracos e pobres à dor e à morte. Será mesmo que a humanidade é uma causa perdida?
          Minha expressão de dor e revolta chamou a atenção de Rebeca, que descansava, deitada sobre uma toalha.
          - O que você tem, Sebastian? Está arrependido por ter vindo conosco? Perguntou com a voz fraca.
          - Não, claro que não. É que às vezes eu começo a pensar nesse mundo e nas pessoas que já perdi. Há muito tempo, eu tento não me apegar a ninguém para evitar sofrimento, e então me aparece você e, sem muito esforço, me faz fazer parte de alguma coisa novamente... Confesso que ainda é um pouco estranho para mim.
          - Você não tem família? Ninguém? Uma esposa ou namorada talvez?
          - Não, minha mãe e minha noiva morreram há cinco anos, quando eu me alistei na Fênix e acreditava neles. Mas não quero falar nisso.
          - Eu sinto muito!
          - E você, Rebeca, tem família?
          - Essa é minha família: Helena, Gabriel, as crianças e as outras pessoas do grupo. Parente de sangue mesmo não tem mais ninguém. Todos morreram.
          Uma sombra encobriu aqueles olhos lindos que se destacavam na pele pálida.
          - Você não tem namorado lá no acampamento? Perguntei com medo da resposta.
          - Não. Não sei se terei muito tempo para isso. Ela virou o rosto para não me deixar ver a tristeza em seus olhos. Ela estava certamente pensando na doença. Mudei de assunto, feliz pela resposta que recebi.
          - Gabriel, a chuva já passou. O que acha de prosseguirmos? Perguntei.
          - É, acho uma boa ideia, Mais duas horas e estaremos no acampamento.
          - Você está bem, Rebeca?
          - Claro. Por que não estaria? Respondeu disfarçando o cansaço. - Vamos.
          Caminhamos por mais duas horas, em terreno íngreme. Rebeca realmente fazia muito esforço, mas se manteve firme até alcançarmos o acampamento. Nesse momento, Gabriel exclamou aliviado:
          - Estamos em casa!

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