Oi Pessoal, o que vocês acham da Brigite?
Brigite no Pronto Socorro
Cheguei ao Pronto Socorro com muita dor. Tá bom, não era tanta dor assim, mas doía. Caí da escada e torci o pé. Uma enfermeira rechonchuda e simpática me encaminhou para a triagem e lá constataram que eu não morreria naquele dia, ao menos, não por causa do pé. Fui encaminhada então para o corredor e orientada a esperar que chamassem meu nome para que eu fosse atendida.
Confortavelmente acomodada em uma das trinta e duas (tive tempo para contá-las) cadeiras de plástico alaranjadas do corredor, fiquei a observar e fazer divagações.
No Pronto Socorro, há sempre uma sombra no rosto das pessoas. Um olhar pidonho e suplicante. Ali, pede-se informações às enfermeiras, ajuda aos médicos e graças a Deus. É uma espera tensa que, por vezes, torna-se melancólica e resignada.
É um passa e vai de vidas destroçadas por causa da fragilidade de nossos corpos. E quando não há mais nada a fazer, tornamo-nos espectadores da vida e da morte, que passam desdenhosamente pelos corredores do Pronto Socorro.
Que fazer, Brigite? Observar apenas.
Um homem saiu pulando com a cara contorcida e o pé inchado. A família o esperava e a filha menor, ainda um bebê, fazia festa e brincava despreocupadamente no ambiente infeccioso do hospital.
Uma moça andava amparada e de olhos fechados, deixando-se levar para qualquer canto. Dela já tomara conta aquela resignação muda e constante que domina os muito doentes.
Mais adiante, passava outra mocinha, mais jovem, adolescente ainda, com a cabeça enfaixada. Para ela, o Pronto Socorro foi mais uma história de rebeldia. Ao passar pela porta espelhada do hospital parou e olhou-se refletida no vidro. Virou o rosto para lá e para cá e aprovou o visual. A faixa até combinava com a roupa.
O Pronto Socorro é um lugar surpreendente. Às vezes, o corredor fica silencioso e ouvem-se apenas alguns lamentos perdidos atrás das portas. Em outros momentos, as coisas se agitam. Médicos e enfermeiras passam apressados, falando uma língua estranha. Alguns ficam sérios; outros até riem.
Em uma dessas tormentas, entrou um homem visualmente embriagado. Todo machucado, ele contava sua história para a enfermeira que tentava socorrê-lo.
_ Eu tentei entrar em casa dona, mas o cachorro me pegou.
_ Mas em que casa o senhor tentou entrar? Fique quieto, assim não consigo examiná-lo.
_ Na minha, oras.
_ Mas porque o cachorro lhe atacou, então?
_ Acho que minha mulher trocou de cachorro, Dona.
_ Ah! Sei.
_ Ela disse que se eu chegasse em casa bêbado de novo, ela não me deixaria entrar.
_ Pois é, Seu José. Não está na hora de parar, então. Veja que estrago!
_ Não Dona, o cachorro me mordeu, mas eu também mordi o cachorro. Riu sozinho, em meio às broncas da enfermeira.
Enquanto a enfermeira lavava e curava Seu José, um rapaz passou por mim. Algemado e com a roupa laranja de presidiário, ele seguiu corredor adentro escoltado por dois policiais. Logo atrás entrou a maca e outro detento, morto, seguiu o colega pelo corredor. Acho que não foram para o mesmo lugar.
Agora vem a parte que piora. Sabe quando você percebe uma aproximação furtiva e indesejada? Pois é, eu percebi. De pronto, saquei o celular da bolsa e comecei a teclar desesperadamente com a intenção de fazê-lo perceber que eu estava ocupada. Não deu certo. Um vovô, do alto de seus oitenta anos (ou mais) fez o que eu implorava que não fizesse. Puxou conversa.
_ Bonito seu celular. (Ele)
_ Uhun! (Eu)
_ A tecnologia moderna é impressionante, não e mesmo? (Ele)
_ É. (Eu)
_ Faz tempo que você está esperando para ser atendida? (Ele)
_ Sim. (Eu)
_ Machucou o pé? (Ele)
_ Uhun. (Cego, pensei) (Eu)
_ Pois é, vou ver se meu colega já tá pronto. (Ele)
_ Uhun. (sorriso amarelo) (Eu)
_ Tchau! (Ele)
_ (...) Aceno com a cabeça, sem fazer contato visual.
Você deve estar pensando: “Que insensibilidade.” Insensibilidade é se aproveitar de mim naquela situação. Eu estava frágil e abandonada. Vocês já pararam para pensar o que uma mulher frágil pode fazer? Eu poderia ter me jogado nos braços do velhinho. E depois para desfazer o estrago e as lembranças do embaraço. Estar doente é como estar bêbado, você acaba fazendo coisas que não queria. Pelo menos essa é a desculpa usual.
Quando eu já estava reconsiderando a abordagem do velhinho, o médico chamou meu nome. Não demorei muito a ser liberada, com o pé engessado e uma receita.
Assim foi minha visita ao Pronto Socorro. Lá, as vidas se cruzam e tropeçam na morte. Às vezes esta consegue levar alguém, outras vezes não. Eu obviamente desviei dela neste dia fatídico. Dormi em casa, com o pé engessado e longe do velhinho.
Ah Brigite .. conseguiu se desvencilhar da conversa com classe....rs ...
ResponderExcluirAdorei! leve, ágil e real!
Que bom que você gostou Margarida, sua opinião é muito importante. Obrigada!
ResponderExcluirAproveito para avisar aos visitantes que "escorregou" um "porque juntinho" na pergunta. O correto é:
- Mas por que o cachorro lhe atacou, então?
Corrigido. Beijinhos!!!!
Madrinha...
ResponderExcluirÉ impressionante como você consegue transformar uma situação corriqueira em obra literária, isso é possível apenas para pessoas sensíveis e geniais. Deixo aqui os meus mais efusivos aplausos, com os votos de muito sucesso em 2012, 2013, 2014... e assim sucessivamente!
Adorei
Parabéns
Beijos
Oi afilhada querida, obrigada pelo elogio. Que bom que você gostou, afinal de contas é professora de Língua Portuguesa e Literatura, e das boas! Beijo para você e meu afilhado! ;)
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