sábado, 9 de março de 2013

Aurora Cibernética - Lembranças da dor e da prisão - Capítulo 4



Capítulo 4 – Lembranças da dor e da prisão
         
          Voltei para o abrigo no bar e assei meu porco, sem sal. Comi e voltei a dormir em cima da mesa de bilhar. Sonhei com a moça do galpão e acordei sobressaltado, de arma em punho, apontando para todos os lados. Não havia nada e apenas o vento lá fora assoviava e batia as janelas abertas das casas vizinhas que estavam abandonadas.
          Baixei a arma e voltei a deitar a cabeça no saco de farinha que me servia de travesseiro. Os gritos e os tiros vieram de meu sonho. Comecei a relembrá-lo. A moça do galpão corria desesperada e os soldados da Fênix a perseguiam. Ela tentava se esquivar dos tiros e gritava, chamando por mim. Eu tentei socorrê-la, mas cheguei tarde e quando a vi caída, ainda com vida, segurei sua cabeça e ela me disse num último suspiro: “Ajude-me!”
          Essa imagem me deixou muito angustiado, pois me fez lembrar do dia em que Alícia foi morta. Eu havia acabado de me alistar no exército da Fênix, pois acreditava que eles realmente queriam ajudar as pessoas e reverter a situação catastrófica na qual nosso mundo se encontrávamos. Eu e Alícia estávamos de casamento marcado. Éramos muito novos, eu tinha dezoito anos e ela dezessete, mas mesmo assim queríamos uma cerimônia como nos velhos tempos.
          Uma tarde, eu saí para atender um chamado da Fênix ela ficou em casa, tentando arrumar o pouco que existia. Uma milícia da Fênix recebeu uma denúncia de que um cientista fugitivo estaria naquele local. Invadiram a casa e perguntaram sobre Adrian Savage, meu pai.
          Ela não sabia de nada porque eu usava um sobrenome diferente para não ser perseguido por algo que eu nem cheguei a conhecer. Minha mãe, antes de morrer, tratou de mudar meu nome: de Sebastian Savage passei a me chamar Sebastian Caldwin, o nome de solteira de minha mãe.
          Alícia conseguiu enviar uma mensagem pelo celular: “Fênix aqui”, mas quando cheguei já era tarde e Alícia estava caída, ensanguentada, ao lado de minha mãe que já estava morta.
          Segurei sua cabeça como fiz com a moça no sonho e ela me pediu ajuda. Neste momento morreu. Nunca me perdoei por não ter chegado a tempo e depois disso desencadeei uma vingança solitária e suicida contra a Fênix, não sem antes sofrer as consequências desse ato.
          Saí desesperado de casa, armado até os dentes e segui para a central da Fênix. Lá invadi a sala do General Garcia gritando e cobrando a vida das únicas pessoas que eu tinha neste mundo doido e devastado. Ele levantou-se com a frieza que lhe é característica e disse:
          - Se você não é capaz de aceitar perdas, soldado, não serve para a Fênix.
          Uma tropa de seguranças invadiu a sala e me rendeu. Na verdade, não impus nenhuma resistência pois a morte me parecia um excelente negócio naquele momento. Porém, eu não sabia que não era a morte que me esperava e sim algo pior.
          A Fênix desenvolvia já há algum tempo um projeto chamado “Ecce Homo” que tinha por objetivo criar homens mais fortes, menos vulneráveis. Esses homens seriam utilizados, de maneira mais enfática para fins militares, como soldados, espiões e mesmo como “kamikazes”, dependendo da amplitude da alteração feita no sujeito. O grande problema do “Ecce Homo” era a utilização desses homens, na verdade cyborgs, em outras áreas tais como a medicina.
          A escassez solar causada pelo bloqueio da nanocamada desencadeou uma situação de seletividade e isso repercutiu nos vários setores da sociedade pós eclipse. Nos hospitais, os médicos eram orientados a “acelerarem o descanso” de pessoas que tinham pouca chance de sobrevivência, na verdade, isso era assassinato e até pessoas que apresentavam boas chances de sobrevivência eram condenadas ao tal descanso.
          Acontece que muitos médicos não concordavam com essa prática e se negavam a seguir as ordens do Governo. Os médicos cyborgs foi a solução encontrada, pois eles foram profundamente alterados e não apresentavam muitos escrúpulos a respeito disso e de outros absurdos que se tornaram leis para salvar a humanidade.
          Era muito comum o desaparecimento ou morte repentina de alguém que buscasse os hospitais para tratar uma doença infectocontagiosa, por exemplo. Qualquer problema de saúde que comprometesse a coletividade era sumariamente eliminado, mas é claro que essa lei não era aplicada a todos e sim aos menos favorecidos. Vi muitos morrerem assim e vocês devem estar se perguntando o que eu tenho a ver com tudo isso. Pois bem, eu sou um cyborg. Um cyborg que não deu certo.
         

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